domingo, 28 de novembro de 2010

Conversa com o Silêncio

Era mais um daqueles sábados monótonos, chuvosos e frios. Típicos daquele lugar. Na janela, um mundo cinza, com pinceladas verdes das copas das árvores e, eventualmente, algum estilhaço de céu azul. Naquele dia o vento sumira. Ele, que costumava cantar alto, estava calado. Nem nas folhas tocava. A janela do meu apartamento mais parecia um quadro tecido a tinta óleo. Muito bem pintado, diga-se por dizer. Uma pena que, naquele dia, parecia que na aquarela havia somente branco e preto. “Tempo instável com pancadas de chuva ao final do dia” dizia a previsão do tempo. Mas não havia pancadas. Não havia gotas caindo no piso da varanda descoberta. No interior, nem o tic tac dos relógios. Os meus eram todos digitais. Tudo que eu via era um mundo aparentemente congelado. O sol camuflado em nuvens sequer permitia que eu notasse o tempo passar. Noite e dia se confundiam. A única noção de tempo que eu poderia ter era do meu próprio corpo envelhecendo. Fiquei alguns instantes olhando fixamente as minhas mãos, para ver se notava alguma ruga ou coisa do tipo. Nada. Tão congelada quanto o mundo e o tempo, estava eu. Sentada num sofá daqueles bem fora de moda, com estampa de jornal. Também cinza, aliás. Pelo menos combinava com o exterior do apartamento. Meu desgosto em existir (naquele momento, que fique claro) não permitia que eu visse, ouvisse ou sentisse nada além do que já estava naturalmente contido em mim. Aquelas coisas como pensamentos, sonhos e lembranças. Todas em branco e preto, também.

De repente, parei de ouvir a mim mesma. Não escutei passos. O telefone não tocou. O porteiro não ligou no interfone. A ambulância atônita não passou pela avenida ao lado. O cachorro do vizinho não latiu. Eu, então, notava isso tudo sutilmente. Sabia que ele estava vindo. Menos passos, menos vento. Ele estava chegando. As vozes caladas, os pássaros mudos. Bem, eu sabia que agora ele poderia chegar a qualquer momento. Não tinha como fugir. Não é algo do que se possa fugir. Essas coisas invisíveis e metafísicas são sempre muito inteligentes.

Ele chegou. O tal Silêncio finalmente chegou.

- Olá, moça. Estava esperando por mim? – Disse ele, irônico.

- Como se isso fizesse diferença, você sempre tem o péssimo hábito de entrar sem bater – respondi, em mesmo tom.

- Você sabe que às vezes precisa passar um tempo comigo. Modéstia parte, estou certo de que sou o melhor conselheiro que alguém pode ter. Tem sorte, moça, de poder passar algum tempo comigo. Muitas pessoas vivem tão intensamente em sintonia com outros universos que acabam batendo a porta em minha cara quando tento fazer alguma visita eventual. Tolas... não percebem que deixando de passar um tempinho comigo de vez em quando, acabam por afastar-se de si mesmas.

- Pra alguém com o seu nome, até que o senhor fala bastante, não é mesmo, Silêncio?

- Ora essa! Esqueça essas formalidades! Não me chame de senhor. Assim é que se chamam os mais velhos. Sabes que não sou velho. Muito menos novo. Estou além e aquém do tempo. Alguns dizem que sou atemporal, mas, sinceramente, não gosto dessa palavra. Remete-me a tempestade. Coisa da minha cabeça, eu sei, mas todos têm suas esquisitisses. Só porque sou pura abstração não tenho direito de ter as minhas?

- Tem, é claro que tem...

- Foi uma pergunta retórica, minha querida. Bem, mas continuando o que estava dizendo, eu existo muito antes de existirem as coisas que existem, compreende?

- Acho que o senh... digo, que você precisa me explicar melhor este pensamento...

- Veja bem, minha cara, sabe aquela tal explosão que vocês costumam dizer que deu origem ao universo? O Big Bang?

- Sei, claro que sei. Embora as ciências exatas nunca tenham sido meu forte, é algo que qualquer ser humano com um pingo de conhecimento deve saber.

- Pois então. Pense um pouco. Antes daquela bola cósmica explodir, antes de que qualquer estrela nascesse ou planetas girassem, o que havia? O que existia antes de tudo existir?

- Havia você, Silêncio.

Por um instante, uma sutil rajada de vento fez com que os sininhos decorativos da varanda se agitassem, produzindo um som espontâneo e harmonioso. Neste breve momento, enquanto a música desajeitada dos sinos ecoava, o Silêncio se calou. No entanto, bastou que o som cessasse para que ele voltasse rapidamente. Aproveitei para procurar uma posição mais confortável no sofá. Sabia que aquela conversa seria longa.

- Odeio ser interrompido! – esbravejou.

- Achei que já estava acostumado. Afinal, o mundo é feito de sons e distração. Você é a raridade por aqui. – expliquei, tentando acalmá-lo.

- Não é esta a questão. Estou ciente da presença constante dos sons. Mas é bom deixar claro que minha presença depende de você, muito mais do que o universo externo aos seus olhos. O que me afastou não foi a música que veio dos sinos, mas sim a quebra da sintonia que havia sido estabelecida dentro de você mesma, com seus pensamentos. Portanto, trate de se concentrar em mim, menina.

- Tudo bem, desculpe-me.

- Está certo. Mas agora chega de falar de mim. Vamos ao que interessa: você.

- Não sou boa em falar sobre mim mesma, não.

- Ora essa! Sabe que só estou aqui porque você desejou. Precisava deste tempo comigo. Aproveite enquanto é tempo!

- Ok, ok. Você tem razão... Eu precisava de um tempinho em sua companhia, de fato. É que sabe, Silêncio, esse monte de palavras que dizemos e ouvimos todos os dias têm me deixado confusa, aflita. Já não sei mais escolher as palavras certas, no tom exato, que não façam machucar, nem confundir, muito menos afastar quem eu amo de mim.

- Refere-se a alguma situação em especial?

- Não, não. É algo que sinto o tempo todo. Tantas pessoas, tantas conversas, frases, ideias e por trás de tudo aquilo um mundo vazio. A solidão em meio à multidão. Não sei escolher as coisas certas a serem ditas àquelas que realmente fazem a diferença pra mim. Já perdi muitas pessoas por conta disso. – desabafei.

- Pois então me use, querida. Tens toda a minha permissão! Quando lhe faltarem as palavras ou quando não souberes como usá-las, simplesmente se cale. Utilize-se mais do olhar, mais do carinho, da comunhão calada das consciências, da sintonia. Palavras são só mais uma das invenções humanas. O que vale mesmo é o que se vive em silêncio, modéstia parte. Estou contido na simplicidade de cada momento que anula a necessidade de palavras.

- Uau, falou bonito, hein! Só acho que tem uma coisinha que você deve sentir inveja porque, às vezes, causa o mesmo efeito que você, mesmo em sua complexidade de sons: a música.

- Esse é assunto pra outro dia. Além do mais, não gosto muito dessa tal aí, não. Melhor deixar pra lá... – disse o Silêncio, embaraçado.

- Tudo bem, desculpe-me.

- Não há pelo que se desculpar, acho que ambos somos necessários. Até porque, veja bem, se voc...

E antes que ele pudesse terminar, o telefone tocou. Era apenas telemarketing. Ao mesmo tempo, o cachorro do apartamento de cima começou a latir freneticamente. Sem contar que o porteiro interfonou para avisar que a Super Interessante do mês havia chegado. Meu celular despertou, também, para que eu lembrasse de devolver os DVDs que emprestei do meu amigo (e que já estavam comigo há dois meses).

Quando voltei, o Silêncio havia sumido. Foi embora sem nem sequer se despedir. Mal educado! Tão sábio e tão sem educação. Da próxima vez que ele vier vou lhe ensinar umas lições de boas maneiras, isso sim.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fatias

Pedaços de bolo
Pedaços de pão
Pedaços de gente
Um sorriso daqui
Um suspiro de lá
Fragmentos de olhar
Num dia riso, no outro pranto
Na noite silêncio e canto
O corpo comigo, a alma no vento
Lealdade inexiste em pensamento
Corra, salte, voe
E tome cuidado com o desfiladeiro
Mas, por favor, só seja meu
Se for pra ser inteiro

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Branco

A felicidade me leva embora a inspiração
E se for pra ser assim, então
Que eu continue desinspirada
Obrigada

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Minha terra, minha mãe

Se tem algo que me incomoda é ver brasileiros de terra e de sangue “torcerem” para outras seleções em época de Copa do Mundo. As aspas ali são porque, sinceramente, pra mim não passa de puro fingimento pra abraçar uma causa que nem sabem ao certo qual é. A intenção é ir contra “o sistema”. E, no fundo, isso não passa de um sentimento puramente exibicionista. Necessidade de ser undergound sempre. Ou como preferirem chamar essas pessoas viciadamente “alternativas”.

Ok. Caso você não torça pro Brasil porque não gosta de futebol é outra situação. Aí até dá pra entender. Afinal, como já diria minha mãe, “porque eu vou sofrer vendo um monte de homem sacudo correndo atrás de uma bola?”. Futebol é realmente uma questão de gosto. Pátria não. Pátria é gratidão, amor fraternal e incondicional. Subjetividade, abstração. Amar o PAÍS vai além de admirar o Lula, o Collor ou o Mc Créu. É saber reconhecer que, assim como uma árvore, suas raízes precisam de substratos que estão aqui. Sejam eles pessoas, objetos, sentimentos...

Refiro-me aos brasileiros legítimos. Àqueles que nasceram aqui e aqui pretendem morrer. Não sou radical, também. Tenho vontade (muita, aliás) de conhecer o mundo todo. Inglaterra, Itália, Grécia, Canadá... mas tenho certeza de que a saudade do Brasil será sempre algo que me fará voltar. E não só a saudade das pessoas que esta terra me trouxe. Saudade de respirar o ar daqui. De ver o sol nascer desse ângulo, por trás dessas montanhas. De ver os traços dessa parte do mundo, as quais foram as primeiras que vi ao despertar para a vida. De me alimentar minhas raízes com seus nutrientes preferidos. Assim como você sente saudade do feijão da sua mãe quando passa muito tempo fora de casa.

Eu amo SIM o Brasil. E não só em época de Copa do Mundo. Lamento pelas desigualdades, pela corrupção, pela dívida externa, pelo Latino e pela Perlla, é claro. Mas amo meu país porque sou parte dele, assim como ele é parte de mim. Não gosto de samba, nem de carnaval, muito menos de acarajé. Mas ainda assim amo tudo que essa terra me trouxe. Gosto de futebol, da camisa amarela, das Cataratas do Iguaçu, do meu irmão e de pinhão. Gosto de estar aqui, de ser aqui.

Copa do Mundo pra mim é motivo de festa, sim. Saber que eu tenho o prestígio de torcer pra Seleção pentacampeã faz com que minha torcida se torne ainda mais fervorosa, mesmo não sabendo o que é um impedimento e nem o nome de todos os jogadores da Seleção. Um brasileiro vestir a camisa de outro país nesses tempos tão festivos é simplesmente inadmissível. Se o Brasil é o país do futebol, por que não celebrar?

Se vocês querem saber, eu sou brasileira com muito orgulho e com muito amor, MESMO.

E este post foi escrito em cerca de 5 minutos sob forma de desabafo. Peço desculpa aos leitores que gostam de Perlla ou Mc Créu.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Duplicidade

Não há como viver duas histórias paralelas
Nem experimentar dois sabores de chá
Não há como assistir dois filmes ao mesmo tempo
Nem estar na Bahia e no Amapá
Não há sequer como escrever duas poesias
Mesmo com duas mãos, só uma sabe dançar
Não há como sonhar dois sonhos simultâneos
Nem dormir e trabalhar
A música só é completa quando exclusiva
E dia com mais dia vira mês
O mundo só gira em torno de uma estrela
O caminho se faz de um passo de cada vez
Até os olhos, ah... os olhos
Janelas de beleza dupla
Mesmo em sua co-existência
São capazes de focar uma imagem somente
E por mais que palavras procurem desmentir
Os olhos, em seu silêncio e igualdade
São, em essência, a verdade

sexta-feira, 19 de março de 2010

Permuta

Troquei a música pelo silêncio
Troquei a espera por saudade
Troquei a uva pelo vinho
E minha casa pela cidade

Troquei os sonhos pelas lembranças
E as lembranças, pela cegueira
Troquei o despeito por nobreza
Troquei meia-noite por uma inteira

Troquei minhas asas por pés no chão
Troquei a dor infundada pela razão
Troquei lágrimas por palavras caladas

Troquei Clash por Chico Buarque
Troquei a viagem por desembarque
E o amor... bem, não troquei por nada

segunda-feira, 15 de março de 2010

Perecível

Não entendo muito bem do que se faz o arco-íris
Se é de gota, do sol ou das pinceladas de um artista
Sei que ele só existe quando é visto
Sua exibição rápida aos olhos da natureza
Só é válida caso em alguma memória se conter
Para mais tarde colorir os sonhos

Muitas coisas só existem se são vistas
Outras só existem se forem vivas
Outras vivas, nem existem
Quando ao invés de “ser” preferem “estar”
Outras existem apenas nas recordações
Há quem viva estando morto
E há quem morra estando vivo

Há pessoas que existem somente em projeções
Sentimentos são inventados, gestos mal interpretados
Uma personalidade forjada aos olhos de quem vê com coração
E não é preciso muito
Pra que a projeção se parta e reste só realidade
Que a princípio dói por ser verdade
Mas não é a verdade que dói
É a mentira antes vivida

Então, quando o encanto se desperta
Tal pessoa inexiste
E se perde num pretérito onde fora esboçada
Vaga por pensamentos, sentimentos
Que se por ora doem, ora se dissolvem e aliviam
Seguindo os moldes de sua aura

Pois bem, hoje alguém morreu em mim
Uma essência de minha própria invenção
Desprendeu-se das minhas vontades
Há um tempo até a completa decomposição do sonho
Que desaparece como o arco-íris
As cores se perdem num azul sem fim
Como tal pessoa se perdeu dentro de mim

domingo, 14 de março de 2010

Solidão

Constantemente sinto uma grande necessidade de estar sozinha. Mesmo que seja uma solidão utópica, disfarçada por uma fechadura e quatro paredes. Desde que me sinta de fato sozinha, estou bem. Muitas pessoas procuram fugir dessa condição natural humana. Forjam encontros, relacionamentos e sentimentos meramente superficiais. Precisam sentir um contato constante com seu exterior e esquecem que a verdadeira essência que as faz ser quem são está dentro de si.
Estar sozinho é diferente de sentir-se sozinho.
Quando não há uma conexão verdadeira entre mim e o universo exterior é impossível evitar a sensação de solidão. Embora existam várias pessoas ao meu redor, várias cores, sons, gostos... É inevitável. Mesmo que esteja com outra pessoa, alguém que realmente amo, se não houver sintonia entre nossos universos, é solidão. Tudo que consigo ver, sentir ou ouvir vem de minha mente e minhas próprias projeções. No entanto, está é uma forma de solidão involuntária, conseqüência da falta de harmonia interior.
A solidão que me refiro é pura. Quase como um silêncio reprimido, que traduz em sua obscuridade tudo aquilo que pulsa vibrante dentro de mim. Todos os sonhos, músicas, lugares, pessoas e sentimentos que somente eu sou capaz de conter. Meu segredo, minha história, minha vida guardada de maneira imutável e indestrutível. E tudo isso é fruto do silêncio, da solidão que me faz sentir mais perto de mim mesma.
Não é a toa que faço planos, tenho idéias e sonhos quando deitada sobre o travesseiro macio, com aroma de amaciante. Neste momento, com as pálpebras fechadas, é possível olhar para dentro de mim mesma. Pensar nos fracassos e lamentar por eles, mesmo que isso, muitas vezes, custe-me algumas horas sem conseguir dormir. Às vezes é preciso passar um tempo consigo mesmo. Não há como oscilar em outros universos se, primeiramente, não conhecermos o nosso.
A solidão é tão necessária quanto ter as pessoas que amamos por perto. Pois se é sentido-se sozinho que conseguimos voar alto e sonhar com leveza, com elas somos capazes de tornar esses sonhos reais.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Acuada

Mesmo longe, você me persegue
O tempo todo, em todo lugar
Nos carros vermelho escuro
E em qualquer música que tocar

No rabisco do papel
No chiclete de laranja
No cheiro de perfume
De cigarro ou de pastel

Nas ruas escuras
Nos cães desconfiados
Na camisa do meu time
E no hotel desvirtuado

No molho branco e de tomate
Na casa de dois andares
No sanduíche pela metade

Na rua de paralelepípedos
Na teoria do Big-Bang
No resto de comida no prato
Nas lágrimas por mal ou por bem

Nos sonhos não mais sonhados
Nos planos aniquilados
No riso sem sabor

Nas promessas descumpridas
Nas lembranças desmedidas
No cinema quase sem cor

Na canção de Copacabana
Nas noites de fim de semana
Em qualquer sinal de amor

Fique aqui, more em mim
Desmorone esse abismo
A menor distância que existe
É a de um sorriso

E onde nosso riso foi parar?

No mais, amor, só quero dormir
Já que a saudade e sua vontade nos afastam
Sonhando eu te guardo dentro de mim

segunda-feira, 1 de março de 2010

Descompasso

Quero viver de passado
Que é o que há de mais sólido
E dele resgato apenas beleza
Mas é beleza sem cor, sem gosto
É amargo, oposto
Imutável e invisível aos olhos
E como diz o clichê
O coração não sente o que o olho não vê

Uma beleza que mente
Frieza que a deixa quente
Inverno e verão
Claro e escuro
Eu e você
Eu sem você...
Sem pois, no entanto ou porquê

Sol que se põe sem nascer
Felicidade que não tem prazer
Ápice da normalidade
Uma falta sem saudade
Que me força a ver verdade
Quando prefiro viver de ilusão