sexta-feira, 19 de março de 2010

Permuta

Troquei a música pelo silêncio
Troquei a espera por saudade
Troquei a uva pelo vinho
E minha casa pela cidade

Troquei os sonhos pelas lembranças
E as lembranças, pela cegueira
Troquei o despeito por nobreza
Troquei meia-noite por uma inteira

Troquei minhas asas por pés no chão
Troquei a dor infundada pela razão
Troquei lágrimas por palavras caladas

Troquei Clash por Chico Buarque
Troquei a viagem por desembarque
E o amor... bem, não troquei por nada

segunda-feira, 15 de março de 2010

Perecível

Não entendo muito bem do que se faz o arco-íris
Se é de gota, do sol ou das pinceladas de um artista
Sei que ele só existe quando é visto
Sua exibição rápida aos olhos da natureza
Só é válida caso em alguma memória se conter
Para mais tarde colorir os sonhos

Muitas coisas só existem se são vistas
Outras só existem se forem vivas
Outras vivas, nem existem
Quando ao invés de “ser” preferem “estar”
Outras existem apenas nas recordações
Há quem viva estando morto
E há quem morra estando vivo

Há pessoas que existem somente em projeções
Sentimentos são inventados, gestos mal interpretados
Uma personalidade forjada aos olhos de quem vê com coração
E não é preciso muito
Pra que a projeção se parta e reste só realidade
Que a princípio dói por ser verdade
Mas não é a verdade que dói
É a mentira antes vivida

Então, quando o encanto se desperta
Tal pessoa inexiste
E se perde num pretérito onde fora esboçada
Vaga por pensamentos, sentimentos
Que se por ora doem, ora se dissolvem e aliviam
Seguindo os moldes de sua aura

Pois bem, hoje alguém morreu em mim
Uma essência de minha própria invenção
Desprendeu-se das minhas vontades
Há um tempo até a completa decomposição do sonho
Que desaparece como o arco-íris
As cores se perdem num azul sem fim
Como tal pessoa se perdeu dentro de mim

domingo, 14 de março de 2010

Solidão

Constantemente sinto uma grande necessidade de estar sozinha. Mesmo que seja uma solidão utópica, disfarçada por uma fechadura e quatro paredes. Desde que me sinta de fato sozinha, estou bem. Muitas pessoas procuram fugir dessa condição natural humana. Forjam encontros, relacionamentos e sentimentos meramente superficiais. Precisam sentir um contato constante com seu exterior e esquecem que a verdadeira essência que as faz ser quem são está dentro de si.
Estar sozinho é diferente de sentir-se sozinho.
Quando não há uma conexão verdadeira entre mim e o universo exterior é impossível evitar a sensação de solidão. Embora existam várias pessoas ao meu redor, várias cores, sons, gostos... É inevitável. Mesmo que esteja com outra pessoa, alguém que realmente amo, se não houver sintonia entre nossos universos, é solidão. Tudo que consigo ver, sentir ou ouvir vem de minha mente e minhas próprias projeções. No entanto, está é uma forma de solidão involuntária, conseqüência da falta de harmonia interior.
A solidão que me refiro é pura. Quase como um silêncio reprimido, que traduz em sua obscuridade tudo aquilo que pulsa vibrante dentro de mim. Todos os sonhos, músicas, lugares, pessoas e sentimentos que somente eu sou capaz de conter. Meu segredo, minha história, minha vida guardada de maneira imutável e indestrutível. E tudo isso é fruto do silêncio, da solidão que me faz sentir mais perto de mim mesma.
Não é a toa que faço planos, tenho idéias e sonhos quando deitada sobre o travesseiro macio, com aroma de amaciante. Neste momento, com as pálpebras fechadas, é possível olhar para dentro de mim mesma. Pensar nos fracassos e lamentar por eles, mesmo que isso, muitas vezes, custe-me algumas horas sem conseguir dormir. Às vezes é preciso passar um tempo consigo mesmo. Não há como oscilar em outros universos se, primeiramente, não conhecermos o nosso.
A solidão é tão necessária quanto ter as pessoas que amamos por perto. Pois se é sentido-se sozinho que conseguimos voar alto e sonhar com leveza, com elas somos capazes de tornar esses sonhos reais.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Acuada

Mesmo longe, você me persegue
O tempo todo, em todo lugar
Nos carros vermelho escuro
E em qualquer música que tocar

No rabisco do papel
No chiclete de laranja
No cheiro de perfume
De cigarro ou de pastel

Nas ruas escuras
Nos cães desconfiados
Na camisa do meu time
E no hotel desvirtuado

No molho branco e de tomate
Na casa de dois andares
No sanduíche pela metade

Na rua de paralelepípedos
Na teoria do Big-Bang
No resto de comida no prato
Nas lágrimas por mal ou por bem

Nos sonhos não mais sonhados
Nos planos aniquilados
No riso sem sabor

Nas promessas descumpridas
Nas lembranças desmedidas
No cinema quase sem cor

Na canção de Copacabana
Nas noites de fim de semana
Em qualquer sinal de amor

Fique aqui, more em mim
Desmorone esse abismo
A menor distância que existe
É a de um sorriso

E onde nosso riso foi parar?

No mais, amor, só quero dormir
Já que a saudade e sua vontade nos afastam
Sonhando eu te guardo dentro de mim

segunda-feira, 1 de março de 2010

Descompasso

Quero viver de passado
Que é o que há de mais sólido
E dele resgato apenas beleza
Mas é beleza sem cor, sem gosto
É amargo, oposto
Imutável e invisível aos olhos
E como diz o clichê
O coração não sente o que o olho não vê

Uma beleza que mente
Frieza que a deixa quente
Inverno e verão
Claro e escuro
Eu e você
Eu sem você...
Sem pois, no entanto ou porquê

Sol que se põe sem nascer
Felicidade que não tem prazer
Ápice da normalidade
Uma falta sem saudade
Que me força a ver verdade
Quando prefiro viver de ilusão