domingo, 18 de outubro de 2009

Personagem em foco


Velhas estradas, novos rumos
A coragem de um homem ao enfrentar as limitações impostas por um grave problema de saúde
Entre as várias lembranças que vagam pela memória de Wilson, há uma que pulsa mais forte. Nela, ele está dentro de seu caminhão, com um sorriso estampado na face e, ao fundo, uma paisagem que compunha um belo cenário. E essa mesma descrição se aplicaria perfeitamente para traduzir a vida que levava como caminhoneiro. Estradas, sorrisos, dias (ou noites) lindos e paisagens que se transformavam a cada quilômetro rodado. Para ele, que atesta uma necessidade de viver algo novo todos os dias, aquela era a vida perfeita.
Wilson Orane Maibuk sempre gostou de viajar a noite ou com chuva. As estrelas sob o céu vasto e os raios que via durante os temporais eram, para ele, o que havia de mais bonito na natureza. No entanto, Wilson não esperava que a maior das tempestades viria silenciosa e determinante a tudo que ele seria dali para frente. Um acidente vascular cerebral (AVC) ocorrido enquanto dormia, paralisou o lado esquerdo de seu corpo e o obrigou a se afastar do que mais dava sentido à sua vida: dirigir seu caminhão por todo país. Mesmo assim, seis anos mais tarde, o homem que hoje conta com 43 anos de idade, não desistiu de procurar novas estradas que dessem um novo sentido a sua existência.

Entre números, energia e rodovias

A paixão pela vida de caminhoneiro foi aquele típico sentimento passado de pai para filho. Wilson fala de seu pai, Henrique, que faleceu seis meses após o acidente, com muito orgulho e saudade. “Foi meu pai quem me ensinou a ser tudo que sou hoje. Ele sempre me dizia para nunca investir em uma coisa só e que era bom ter várias opções de caminhos a seguir”, lembra. E isto foi, de fato, algo que Wilson sempre fez. Antes de decidir seguir a mesma carreira do pai, ele se formou em ciências contábeis. Só que com o tempo os números se tornaram muito cansativos. Na busca de algo que o proporcionasse prazer ao trabalhar, resolveu fazer cursos de eletrônica. Passou um bom tempo trabalhando com isso; consertava uma TV aqui, um rádio ali, mas definitivamente tudo aquilo era monótono demais para seu espírito aventureiro.
Quando adolescente, costumava dirigir o caminhão do seu Henrique pela cidade, só para se divertir. Wilson gostava mesmo disso. Por essa razão, mais tarde, descontente com sua vida profissional e a fim de buscar o que realmente queria, pediu um caminhão de presente para o pai. Seu desejo foi atendido. A partir de então, ele descobriu, entre as rodovias, sua verdadeira paixão: viajar. “Nunca gostei de ficar parado em um lugar só. A cada viagem era uma história diferente, eu me sentia realizado”, afirma.
No começo transportava carga de Malte, somente dentro do Paraná. Mais tarde, na medida em que foi adquirindo experiência e credibilidade, começou a viajar por vários cantos do país. Seu lugar preferido era Goiás, tanto que pouco antes de sofrer o AVC, estava com planos de se mudar para lá. E foi justamente neste local que aconteceu o acidente que mudou sua vida.

Do dia para noite

A pressão alta sempre foi um problema sério para Wilson. Ele tomava medicamentos regularmente, mas os altos e baixos das serras não faziam nada bem à sua saúde. Ao mesmo tempo, abandonar as viagens por conta deste problema estava fora de cogitação. Por isso, ele poderia sofrer algo grave a qualquer momento, mas não se preocupava com isso.
Em uma viagem do Paraná ao Nordeste, lugar que sempre sonhou conhecer, notou que sua perna esquerda estava levemente adormecida. No entanto, julgou ser alguma coisa passageira. Mesmo assim, resolveu parar num posto de saúde da primeira cidade que encontrou e checar suas condições físicas. Porém, o posto estava muito cheio e, sem paciência para esperar, decidiu seguir viagem. Para melhorar, tomou três tipos de medicamento e um café bem forte, o que poderia ser letal naquele momento. Quando chegou em Goiás, decidiu ficar por ali mesmo ao invés de seguir viagem até o Nordeste. “Eu achava que o caminhão estava balançando, mas na verdade era eu que estava tonto. Mas ainda achava que era tudo normal”, comenta.
Ao chegar em Rio Verde, um distrito de Goiás onde conhecia vários amigos, já se encontrava bastante debilitado. Quando Wilson foi estacionar o seu caminhão para dormir, acabou batendo num outro que estava na frente. Então, como estava falando “enrolado” em função do problema, seus companheiros acabaram supondo que ele estava bêbado e o aconselharam a dormir. Foi o que Wilson fez.
Na manhã seguinte, ao acordar, percebeu que o lado esquerdo do seu corpo estava completamente paralisado. Ele não conseguia sequer ficar em pé. Quando um amigo percebeu a situação, imediatamente o encaminhou até um hospital em Goiânia, que tinha estrutura para atendê-lo. Foi constatado que uma artéria do pescoço de Wilson havia se rompido, o que ocasionou um acidente vascular cerebral. Permaneceu 15 dias na UTI até que pudesse voltar para sua casa, em Guarapuava. Até então, o caminhoneiro ainda não sabia que jamais poderia voltar a dirigir novamente. Uma noite de sono foi capaz de mudar completamente o rumo de sua vida a partir dali.

Um novo caminho

Quando chegou em casa, Wilson precisou ficar em uma cadeira de rodas. Para ele, entre tudo que passou, esta foi a parte mais traumática. Sair do assento do seu caminhão para ficar ali, impossibilitado, era algo inaceitável. Mesmo com o apoio integral da mãe, Zilda, e dos irmãos, Luciano e Cícero, ele sentia que precisava tomar alguma atitude e mudar aquela situação. “Logo no primeiro mês eu tentei sair da cadeira de rodas e sentar no sofá sozinho, mas acabei caindo. Este foi meu primeiro tombo. A partir de então não tive mais medo de cair”, ressalta.
Wilson logo começou a fazer fisioterapia e sempre mostrava uma vontade admirável de progredir. Este sentimento ajudava muito mais do que as sessões fisioterápicas. Dois meses depois de sofrer o AVC já estava livre da cadeira de rodas. Pouco tempo depois, foi embora para Santa Catarina, morar com o irmão e começar uma nova etapa da sua vida: uma faculdade de Direito.
A ideia surgiu, primeiramente, por interesse pessoal em uma causa judiciária. Wilson tinha uma filha com sua ex-mulher, mas quase nunca podia ver a menina. A mãe restringia muito as visitas; ele chegava a passar meses sem vê-la. Na procura de um advogado para exercer seus direitos como pai, encontrou apenas profissionais de má vontade. Então, decidiu começar o curso de Direto para que pudesse, por conta própria, tomar alguma atitude. A filha, de apenas sete anos de idade, é a maior motivação de Wilson diante de todas as dificuldades que encontrou pelo caminho. Ele pretende ensinar tudo que aprendeu para a menina.
Entretanto, no decorrer do curso, o ex-caminhoneiro e atual estudante de Direito, acabou se apaixonando pela advocacia. “Quero trabalhar com Direito previdenciário, porque é uma área que poucos se interessam. Sempre gostei de ajudar as pessoas e esta é uma forma de eu fazer isso”, afirma.
Há dois anos ele pediu transferência do curso e está estudando uma faculdade em Guarapuava, para ficar perto da mãe. Hoje, faltando pouco tempo para concluir, admite estar muito ansioso para viver essa nova fase. Afinal, mudar o rumo da viagem nunca foi problema para Wilson.

Muita coisa mudou na vida do futuro advogado desde que sofreu o acidente. Ele ainda anda com certa dificuldade, já que os movimentos dos membros do lado esquerdo de seu corpo ainda são limitados. Mas apesar de tantas transformações, ele comenta, orgulhoso, de algo em sua essência que permaneceu intacto: “minha vida e meus planos mudam muito, mas eu sempre fui muito sonhador e persistente. Isto nunca mudou em mim”.

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